Vida

Na saúde e na doença: Um sorriso de salvação

A Inês (42 anos, investigadora em Cuidados Paliativos) e o Gonçalo (46 anos, Corporate Banker) casaram em 2007 e têm 4 filhos: o Gonçalo, o Francisco, o Pedro e a Leonor. O Pedro, de 11 anos, tem uma deficiência profunda, resultado de uma condição genética. Os desafios com que lidaram e ainda lidam diariamente dão um novo significado aos conceitos de sofrimento, sacrifício e fortaleza, servindo de inspiração a quem os conhece.

O testemunho dado por este casal foi de tal maneira rico que nos impeliu a mudar a forma da entrevista de modo a conservar o máximo daquilo que partilharam connosco. Ao mesmo tempo, as suas palavras encerram em si um valor e significado tão transparentes e completos que tornam supérflua a introdução de um enquadramento ou comentário demorado. Nesse sentido, tomámos a decisão de apresentar os vários testemunhos do casal apenas divididos por títulos e subtítulos, por vezes acompanhados de brevíssimas entradas para oferecer contexto, ou para manter a coerência interna do texto. Tudo o resto é como dissemos: transparente e completo.

ENTREVISTA

A serenidade de um olhar partilhado

“Somos uma família normal. (...) E feliz!”. “Se calhar é importante saberem que nos conhecemos num movimento da Igreja, Comunhão e Libertação, e isso ditou muito o nosso percurso. (...) e para nos conhecerem melhor saber que esta doença do nosso filho Pedro é uma doença que vem da minha família [Inês], tive duas irmãs deficientes profundas com este mesmo diagnóstico, e que foi uma decisão pensada e rezada não tomar nenhuma ação sobre que filhos iriam nascer. Portanto caminhámos e avançámos para o casamento e para os nossos filhos como viessem e deixámos, de certa forma, que fosse Deus a criar a nossa família. Os que viessem e como viessem.”

Honestidade e aceitação

“Ao fim de 1 ano de namoro a Inês contou-me (...) eu já conhecia a irmã da Inês, que era doente, mas não sabia as vicissitudes da doença nem o que isso poderia implicar no nosso futuro.” “(...) mas a maneira como ela abraçava a irmã, a maneira como os pais da Inês acolhiam essa filha e outra que já tinham tido com a mesma doença e que tinha morrido, e a alegria com que viviam olhando seriamente para isto tudo… Era impossível não abraçar isto e dizer: eu abraço-te na tua totalidade.”

Era impossível não abraçar isto e dizer: eu abraço-te na tua totalidade.”

Compromisso e união

“(...) uma coisa é a fertilidade, outra coisa é a fecundidade, um casamento pode ser de um marido e uma mulher que não sejam férteis, mas o casamento pode ser fecundo à mesma.” “(...) disse ao Gonçalo que iria consultá-lo [ao geneticista] mais uma vez porque o primeiro diagnóstico tinha sido feito há muitos anos, a tecnologia tinha avançado, por isso podia ser que houvesse algo em que ele pudesse ajudar, ou ver de forma diferente, então ele [Gonçalo] prontificou-se imediatamente a fazer esta consulta comigo e um dia antes pediu-me em casamento. Por isso, quando estivemos em frente do geneticista que fez o diagnóstico, já não fui, como eu, a querer saber de mim, mas fomos os dois a perguntar pelos nossos filhos, e isso fez toda a diferença. Foi a confirmação de que o Gonçalo se comprometia comigo na saúde e na doença, e tem sido assim nos últimos 17 anos.”

Por isso, quando estivemos em frente do geneticista que fez o diagnóstico, já não fui eu, como eu, a querer saber de mim, mas fomos os dois a perguntar pelos nossos filhos, e isso fez toda a diferença.

Para lá do romantismo - O duro choque da realidade

“(...) para além da deficiência dele, o Pedro tem problemas respiratórios graves (...) nos primeiros anos de vida ele passava quase 6 meses internado num hospital num ano inteiro (...)”. “(...) eu ter dito que a abraçava com esta condição, e que era uma coisa nossa e não só dela, tudo isto é muito bonito, mas quando a realidade se impõe custa a entrar e aqueles primeiros meses da vida do Pedro foram muito difíceis… Não só porque o Pedro estava sempre muito doente, mas porque ele era diferente dos outros filhos. Não conhecíamos o hospital, não conhecíamos os médicos, não conhecíamos o Pedro… (...)”.

Vida no hospital

“Os embates mais difíceis foram ao início no hospital. Nós ainda estávamos a aprender a ser pais do Pedro e houve ali conversas bastante desagradáveis, sempre muito nesta lógica de ‘Porque é que não fizeram exames pré-natais? Porque é que sabendo quiseram ter uma criança? Já tinham duas…’ Isto são coisas que naquela altura foram difíceis e até nos puseram inicialmente numa posição de batalha contra os médicos (...)”. A resposta a estas dificuldades surgiu na simplicidade de uma criança: Olhando para o Pedro, porque ele não faz nada, apenas está, e estando ama a todos e deixa-se amar, fomos percebendo que mesmo com essas pessoas com quem tivemos estas conversas tínhamos de aprender a estar, a tratar do Pedro e a ajudar no que fosse preciso.

A acolher os médicos e enfermeiros como eles eram, assim como queríamos ser acolhidos. Foi muito engraçado, porque quando nos apercebemos disto, tudo mudou. A nossa relação com os médicos, enfermeiros e auxiliares mudou. Mudou-nos a nós e a eles também, porque o Pedro agora é um príncipe no hospital. Não há ninguém que não conheça o Pedro, e que não tenha tratado dele, que não goste dele, que não pergunte, não se preocupe… (...)”.

“(...) Olhando para o Pedro, porque ele não faz nada, apenas está, e estando ama a todos e deixa-se amar, fomos percebendo que mesmo com essas pessoas com quem tivemos estas conversas tínhamos de aprender a estar, a tratar do Pedro e a ajudar no que fosse preciso.

Vida familiar

“(...) obviamente há certas coisas que em que a nossa vida está condicionada [e inicialmente] nós não conseguíamos sair de uma dinâmica de casa, hospital, hospital, casa… (...) uma das grandes preocupações que tínhamos, era também poder dar aos outros uma infância normal, dentro das circunstâncias do irmão.” “Quando o Pedro estava internado, estávamos lá os dois o tempo todo; quando eu vinha trabalhar, a Inês estava lá o dia todo. Aos fins de semana íamos os dois para lá e os miúdos ficavam em casa dos avós, depois como já não estavam tão contentes em casa dos avós, começámos a pô-los em casa dos amigos, no entanto, chegou a um ponto em que eles diziam: ‘nós queremos é estar com os pais’. E nós apercebemo-nos que tínhamos um filho doente e tínhamos de tratar dele, mas não nos podíamos esquecer dos outros dois… nessa altura ainda não tínhamos a Leonor. (...) percebemos que tínhamos de agir e procurar uma solução que o Estado e o SNS hoje em dia não conseguem de todo oferecer às pessoas que estão em situação de doença crónica e, por isso, tivemos de pensar, fazer contas, tivemos de formar pessoas, tivemos nós de arranjar a mão-de-obra e pensar quem é que vai ficar com o nosso filho Pedro para nós podermos fazer uma semana de férias que ele não poderia acompanhar. E, graças a Deus, conseguimos encontrar pessoas fantásticas, que foram passando pela nossa casa (...)”. “Portanto, foi um caminho que fomos fazendo em conjunto com as pessoas do hospital e com as pessoas que nos ajudavam em casa também. Não saímos de casa assim de qualquer maneira, às vezes sai um de nós e o outro fica, às vezes arranjamos uma babysitter para ficar, mas não podemos pensar: ‘amanhã de manhã vamos passar o fim de semana não sei onde’. Temos de ter algumas considerações, mas eu acho que os próprios miúdos também vão percebendo isso e vão dando mais valor às coisas que conseguem fazer.”

E nós apercebemo-nos que tínhamos um filho doente e tínhamos de tratar dele, mas não nos podíamos esquecer dos outros dois

A vida do Pedro

“(...) o nosso filho Pedro, que tem 11 anos, está há 11 anos gravemente doente com uma vulnerabilidade respiratória e depois outras coisas adjacentes e na verdade, depende de outros para todas as tarefas do dia-a-dia, desde sair da cama, sentar-se numa cadeira, que tem que estar todo agarrado porque senão cai; tem que se dar banho, tem que se lavar os dentes, tem que se dar de comer, tem que se mudar a fralda (...) no quarto do Pedro vocês vão ver um ventilador, vão ver um aspirador de secreções, vão ver uma garrafa de oxigénio, vão ver outras coisas que lá estão, uma data de coisas de hospital, como uma mini enfermaria, que está na nossa casa. De facto, tornou-se o nosso normal e isso só mostra que qualquer situação ou circunstância por mais difícil ou por mais específica que seja, pode tornar-se rotina (...) às vezes, visto de fora, parece que a vida do Pedro não tem grande sentido, porque nasceu já doente, não vê, não fala, a interação que pode ter parece sempre muito limitada (…)”.

às vezes, visto de fora, parece que a vida do Pedro não tem grande sentido, porque nasceu já doente, não vê, não fala, a interação que pode ter parece sempre muito limitada (...)”.

“Há 3 semanas atrás, esteve 3 semanas internado. (...) E depois foi evacuado do hospital para a nossa casa para passar o Natal, para fugir à vaga de gripe A. Porque o próprio hospital pode não ser um lugar seguro. Na verdade, não há lugares seguros.” “Em julho, esteve internado outras 3 semanas. Foi uma das vezes que nós estávamos em Madrid, fomos passar uns dias fora, fomos às montanhas e estávamos a descer de Madrid e tivemos de vir às 6 da manhã, a uma velocidade que eu não posso dizer… E tivemos de vir e ele teve de ser internado nos cuidados intensivos, e esteve bastante mal.” “(…) agora que ele já tem uma sobrevivência de 11 anos, a nossa preocupação também é que os nossos outros filhos percebam que a vida é dada e tem um fim. E o fim é ir para o Céu. É isto, basicamente, o que nós tentamos transmitir. E que o Pedro, provavelmente, vai ganhar essa corrida em relação a todas as outras pessoas da família. E isso é muito evidente quando ele tem crises respiratórias, porque têm um cariz muito urgente, fica muito branco e com os lábios muito azuis, na verdade parece que já morreu (...)” “(...) uma pessoa se deixa de respirar, para de respirar, acabou, e portanto sempre que ele está com falta de ar nós nunca sabemos se vai ser a última respiração (...)”.

“(...) agora que ele já tem uma sobrevivência de 11 anos, a nossa preocupação também é que os nossos outros filhos percebam que a vida é dada e tem um fim.

O amor do Pai

“(...) podemos estar tristes, cansados, zangados, mas não estamos desesperados (...)”. “(...) porque Deus nos pôs aqui e nos ama, portanto aquele que nos deu os outros três filhos, foi também quem nos deu este filho (...) Não é um projeto nosso. Nós podemos querer muito, desejar muito, mas não é um projeto nosso (...) Com Deus nós não estamos desesperados, podemos estar tristes, cansados, zangados, mas não estamos desesperados, porque quem nos pôs aqui, é o mesmo que nos deu estes filhos.”

Amar com o exemplo de Jesus, para mim faz muita diferença todos os dias. Porque para mim é muito difícil aguentar todas estas dificuldades, tarefas, rotinas, sem ir depois a um sítio onde houve um sacrifício maior feito pelo próprio Deus. (...) Para alguém que se vê muitas vezes na situação de estar quase a perder um filho, e um dia o ‘quase’ será o dia, que é uma coisa que passa muito na nossa cabeça, olhar para a ‘pietà’ é uma coisa que me dá muito consolo, porque não é uma experiência que não tenha dona, que não tenha alguém que já tenha passado por isso e nos tenha mostrado como é que se faz, é uma experiência que foi muito dignificada por Nossa Senhora. (...) Por isso é que eu acho que as pessoas que estão mais doentes e vulneráveis acabam por encontrá-lo, quase sem estarem a contar com isso, porque é o único Deus que responde a uma situação dessas, é a única pessoa que fala da esperança nessa situação.”

Com Deus nós não estamos desesperados, podemos estar tristes, cansados, zangados, mas não estamos desesperados, porque quem nos pôs aqui, é o mesmo que nos deu estes filhos.”

O amor ao filho

“Nós passamos muitas horas, muitos dias, muitos meses no hospital com o Pedro, e tendencialmente nessas enfermarias estão também outras crianças que são muito doentes, e portanto acabamos por nos dar com os pais dessas crianças e eu diria que 98% das famílias não têm qualquer tipo de fé, mas é muito impressionante perceber que o amor por uma criança é uma coisa que está lá, não é preciso ensinar, não é na catequese que se aprende, está dentro do nosso coração. Nós olhamos para aqueles pais e mães, às vezes com famílias completamente destruídas, às vezes destruídas pelo próprio nascimento da criança, porque foi difícil para o pai ou para a mãe descobrir que tinham uma criança assim e depois criá-la, mas é impressionante ver como aqueles pais e mães amam aqueles miúdos como são. E quer dizer os miúdos são como são, não são loirinhos de olhos azuis, têm os ossos todos tortos e trocados, não falam, estão sempre doentes, a chorar com dores, não vão entrar na faculdade e ser médicos ou advogados… É mesmo impressionante ver como é uma coisa que está cá dentro, está no nosso coração, não é preciso ensiná-lo, o coração está lá e é deixar o coração funcionar. As horas, o trabalho que aqueles pais dedicam àqueles filhos, que nunca vão ser nada. Todos nós temos uma vida com um fim, aqueles miúdos têm aparentemente um fim mais rápido à vista, mas olhar para os olhos daqueles pais e ver como eles olham para aqueles crianças é uma coisa impressionante. Portanto não é que Deus, a Igreja ou a catequese nos ensina nada, é o nosso coração que está feito para amar, e os filhos são para ser amados como são.”

mas é muito impressionante perceber que o amor por uma criança é uma coisa que está lá, não é preciso ensinar, não é na catequese que se aprende, está dentro do nosso coração.

No silêncio, o mistério

Vimos um jovem casal num compromisso de mútua entrega e sacrifício; vimos o romantismo a esmorecer quando confrontado com a realidade; vimos o aproximar da tempestade e a forma como testou a família: a dúvida, a angústia, a frustração, o cansaço e a tristeza, mas nunca o desespero; vimos a aceitação da morte como parte da vida, a devoção ao Pai e o amor ao filho. Mas e o que estava o Pedro a fazer durante todo este tempo? O Pedro sorria: “O Pedro sorri. Não agradece com palavras, mas ele sorri.” “(...) também aprendemos imenso com ele - e até os seus irmãos, pelo contacto mais próximo que têm. Porque descobrem, naquilo que supostamente parece não ter valor nenhum, um valor totalmente misterioso e que é inegável para quem vive todos os dias com ele.”

O Pedro sorri. Não agradece com palavras, mas ele sorri.”

Episódios da vida quotidiana

“Ainda hoje, estávamos a conviver na sala, numa tarde de domingo, estávamos a fazer um projeto com a nossa filha Leonor numa das salas, e quando entrámos [no quarto do Pedro] estava o nosso filho mais velho, que tem 15 anos, a dormir uma sesta com o Pedro ao colo, os dois a dormir. (...) É verdadeiramente misterioso! Quando há aborrecimentos em casa, quando há tensão, quando há discussões, muitas vezes encontro um deles [filhos] no quarto do Pedro, para acalmar. Estar na presença do Pedro é uma coisa que põe a vida em perspetiva, que acalma as tensões e que relativiza os problemas que eles possam vir a ter. Às vezes tenho de ir ter com ele porque está na hora de mudar a fralda ou de comer, e vejo-me a fazer uma coisa de trabalho; depois vejo-me, no minuto seguinte, a mudar a fralda a uma criança que não pode ir à casa-de-banho sozinha e que não é capaz de fazer nada; e eu quase que diria que aquela tarefa é mais realizadora de mim, fala mais de quem é que eu sou do que aquelas reuniões que tenho. (...) é uma relação, como eu digo, misteriosa, porque eu acho que é mesmo igual à relação que Deus tem conosco. Eu vejo, muitas vezes, o Pedro ser reflexo disso porque recebe-nos sempre bem! Às vezes está esquecido no quarto durante horas, durante o dia, e eu não vou lá há imenso tempo, e quando chego não há juízos… não é como as outras crianças, os nossos outros filhos, que dizem ‘a mãe não me liga nenhuma!’, ele é totalmente gratuito na maneira como se dá. E dá-se desta forma porque, por um lado, não tem pecado. Nós temos esta experiência de viver com uma pessoa que não tem pecado e eu acho que poucas pessoas poderão dizer o mesmo. E ensina-nos muito. Ensina-nos o que é ser, de alguma forma, santo e totalmente transparente. E isso são ensinamentos que eu acho que vou guardar, mesmo depois de ele morrer. São coisas que eu também aprendi com as minhas irmãs e estou, de alguma forma, contente que os meus filhos também possam ter essa experiência.”

Estar na presença do Pedro é uma coisa que põe a vida em perspetiva, que acalma as tensões e que relativiza os problemas que eles possam vir a ter.

“O Pedro é bastante transparente. Das coisas mais giras que há é quando os miúdos chegam da escola. Ele ouve-os e começa a rir-se. Portanto, ele percebe perfeitamente que os irmãos chegaram a casa e que há alguma coisa a acontecer. E quando os irmãos entram no quarto, fica mesmo contente. Ouve as vozes deles - e não é só porque ouve vozes, porque ele também ouve vozes durante o dia - mas percebe-se que ele se apercebe de que estão ali os irmãos, ou pelo menos, pessoas que o acarinham. E é totalmente transparente. Quando ele está com dores, chora e mostra que está com dores; quando está contente, que graças a Deus é a maioria das vezes, ri-se e sorri. E às vezes deita assim uns beijinhos, o que nós achamos que são uma tentativa de beijinhos.”

“A nossa filha Leonor começou a ler o ano passado e gosta muito de ler para os outros. E, normalmente, ela está pronta mais rápido do que eu me despacho para sair e, então, nos últimos tempos, damos com ela sentada numa cadeira ao lado da cama do Pedro a ler-lhe uma história. O Pedro a rir-se que nem um desalmado e ela contentíssima a ler para o Pedro. Depois eu digo “Leonor, temos de ir embora, rápido”, ela fecha o livro, põe o livro na mochila e depois, às vezes, esquece-se de ligar o rádio, mas lembra-se que o rádio tem de estar ligado porque o Pedro gosta da música e então vem da outra ponta da casa, a correr e diz ‘Pai, esqueci-me só de ligar o rádio do Pedro. Eu já vou, já vou’. Portanto, tem uma preocupação muito grande que o irmão esteja bem, que tenha a companhia que é suposto ter, que oiça a música que gosta de ouvir… É muito giro!”

“Uns tempos depois, num momento muito agudo da vida do Pedro, eu fui visitar as Irmãs da Caridade a Chelas e levei os dois rapazes comigo. Enquanto estive a falar com uma irmã num gabinete, eles andavam lá pela casa, que tem pessoas bastante idosas e em fase final de vida. Quando voltamos para o carro eu perguntei como é que tinha sido, e o meu filho Francisco disse: ‘Ai fez-me imensa impressão! Estava lá uma senhora com um tubo no nariz!’, e eu comecei a rir-me e disse: ‘Então mas o Pedro também tem um tubo no nariz’. E ele respondeu: ‘Sim, mas o Pedro é meu irmão!’. Portanto havia qualquer coisa que mudava, porque apesar de ser o mesmo aparelho, havia uma proximidade do irmão que fazia com que aquilo não fosse um problema. (…) este impulso para a caridade que temos cá em casa, sem termos promovido nada, é o Pedro que já ensina essa parte.”

(...) este impulso para a caridade que temos cá em casa, sem termos promovido nada, é o Pedro que já ensina essa parte.”

Da experiência, um aviso

Por último, o casal respondeu a uma questão premente e de implicações sérias na sociedade moderna. “Se a situação for: tenho uma doença genética que foi identificada, devo ou não ter filhos biológicos? Ou mais grave ainda, tenho um diagnóstico pré-natal de uma situação de 80% probabilidade de uma doença gravíssima, o que é que eu faço? Já me aconteceu muitas vezes ligarem-me com questões e já falei com pessoas em várias situações e a minha responsabilidade é dizer que as coisas são muito difíceis no mundo que nós temos agora porque a técnica tornou-se a lei, não se pensa moralmente sobre as inquietações que isso tem para a vida da pessoa nos passos seguintes.”

a técnica tornou-se a lei, não se pensa moralmente sobre as inquietações que isso tem para a vida da pessoa nos passos seguintes.”

“(...) A nós aconteceu-nos perder um filho a 20 semanas de gestação e por um lado até agradeci ao Senhor ter tido essa experiência, que foi terrível, porque é terrível, mas para perceber finalmente o que era. Porque é muito giro falar nisto sem passar por isso, mas percebi que, apesar da criança nunca ter estado à vista de ninguém, a pessoa não volta à estaca onde estava… É de facto uma pessoa, que nós tivemos pena de não ter conhecido, mesmo que fosse só por um bocadinho. E as pessoas acham que a técnica também resolve essa parte, e isso é uma mentira, uma mentira que a maior parte dos médicos proclama e que é uma grande irresponsabilidade. (...) A técnica em muitos casos não avançou ainda para curar uma doença genética, só para a identificar e exterminar o humano que a tem. E muitas pessoas optam por fazer isso com as consequências humanas, que eu acredito que existem. Então quando se deparam, de repente, com uma criança, cujos pais não optaram por esse caminho, com um problema que é dificílimo, vê-se algum cansaço do tipo: ‘Eu não queria ter que estar a resolver este assunto’. (...) Mas acima de tudo, o que eu tento dizer às pessoas que se cruzam connosco e estão nesta situação e perguntam ‘O que é que eu devo fazer?’, acho mesmo que a circunstância não pode ditar o que nós fazemos. Ou seja, é porque o Pedro existe que se calhar o mundo pode mudar, porque sinaliza o que é que é preciso para as pessoas poderem viver assim doentes. Se pensarmos que vamos erradicar a doença para que ninguém nunca dependa de ninguém, nunca ninguém precise de ser cuidado… Primeiro, isso nunca vai acontecer muito provavelmente, e em segundo, que sociedade é que estamos a construir se quisermos ir por aí?”

Basicamente é isto que a genética consegue fazer hoje: não é resolver o problema, mas é eliminar o problema, e com isso eliminar a pessoa.

14 de fevereiro de 2024

Entrevista: Jorge Morais

Redação: Tiago Rocha e Mello

Filme: Isabel Novais

Entrevista

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