Beleza

Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior, de Maurice Ravel

“Do fatalismo, para a esperança; da tensão para a resolução. Aquilo a que o Piano quis aspirar, o Corne Inglês concretiza; o que o Piano sonha, o Corne Inglês realiza.”

Maurice Ravel (1875-1937) é um dos compositores mais relevantes do impressionismo francês. O Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior foi composto entre 1929 e 1931 e foi imediatamente posterior ao imortal Bolero. Ravel demonstra, ao longo deste concerto, ter um conhecimento extraordinário de um conjunto diversificado de diferentes culturas. Ele foi uma personalidade cosmopolita do seu tempo e, neste concerto, denotam-se particularmente as referências espanholas, francesas e americanas em diferentes secções do concerto. 

É curioso sabermos que, quando escreveu este concerto, Ravel vinha de uma digressão pelos Estados Unidos, e essa experiência foi notoriamente determinante. A América estava então completamente mergulhada numa enorme efervescência cultural até porque, muitas coisas estavam a acontecer simultaneamente. Estávamos no fim dos frenéticos anos 20 e no princípio do grande crash da bolsa de 1929. As influências do jazz de Nova Orleães mostravam um novo leque de possibilidades artísticas extraordinárias, que inspiravam para todo um novo horizonte musical. Nessa viagem, Ravel teve ainda a possibilidade de conhecer George Gershwin e esse encontro seria determinante o suficiente para que, por exemplo, o Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior de Ravel contivesse elementos simbólicos da Rhapsody in Blue.   

É nesta febre de acontecimentos que surge este Concerto para Piano e Orquestra. De todo o Concerto, gostaria de dar um particular destaque ao segundo andamento, até porque sempre tive um especial fascínio por ele. Ao preparar este texto, descobri que uma das inspirações para a sua composição foi o Quinteto de Mozart para Cordas e Clarinete, uma das obras de referência no repertório clássico, para qualquer clarinetista. 

O andamento é um Adágio Assai, o que nos dá a indicação de ser algo profundamente lento e expressivo. E, de facto, a indicação é correta, o piano entra a solo, completamente sozinho, e introduz toda a linha melódica melancólica. Apesar de o solista nos dar a indicação de tempo como primeiro gesto, a melodia entrelaça-se na pulsação, quase querendo deixar-se escapar. A sensação de atraso, face ao tempo previamente estabelecido, é indiscritível, existindo naturalmente a construção progressiva de uma tensão que se vai tornando cada vez mais evidente nesta primeira intervenção do piano. Ravel faz isto deliberadamente. 

Progressivamente, depois deste canto inicial do piano, a Orquestra surge como se assistíssemos quase a uma passagem de testemunho. Os instrumentos de madeira ganham um particular protagonismo e remetem o piano para um acompanhamento. No fundo, as preocupações do piano são inteiramente partilhadas pelos demais, existindo uma comunhão muito grande de vontades. No entanto, apesar disso, há vestígios de que o piano quer resolver essas preocupações. 

No clímax desta tensão que se foi construindo, aparece o Corne Inglês. Mais do que uma resposta ao Piano, o Corne Inglês aparece como uma voz própria que emerge da própria Orquestra. Com um tom, postura e expressão totalmente diferentes do que tivemos até aqui. Do fatalismo, para a esperança; da tensão para a resolução. Aquilo a que o Piano quis aspirar, o Corne Inglês concretiza; o que o Piano sonha, o Corne Inglês realiza. 

Este é um andamento em que Ravel demonstra ao Mundo toda a sua profundidade emocional, com uma simplicidade que desconcerta. Tudo parece extraordinariamente simples e, por isso, extremamente difícil. Creio não ser o único, mas acredito que existe uma vontade humana de aspirar ao grito do Corne Inglês. E talvez tenha sido isso a fazer-me ouvir repetidamente este andamento.

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