Beleza

Os homens são como os rios

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Os temas sobre os quais Tolstói vai refletindo ao longo destas preciosas páginas são o bem e o mal, a justiça e a misericórdia. É interessante ver que todas as personagens que aparecem nesta história são complexas, não sendo nunca consideradas absolutamente boas ou absolutamente más. Tolstói, grande conhecedor da natureza humana, entende que nada é a preto e branco, e que em cada pessoa há luzes e sombras, um mistério a ser descoberto. Ao constatar que cada um de nós é capaz de praticar tanto os melhores como os piores actos, de fazer o que é notável e o que é reprovável, este grande escritor faz uma comparação entre os homens e os rios, que aqui transcrevo:

"Um dos preconceitos mais enraizados e mais geralmente admitidos é o de acreditar que os homens possuem em si qualidades imutáveis: há homens bons ou maus, inteligentes ou estúpidos, enérgicos ou apáticos, e por aí adiante. Ora os homens não são assim. Podemos apenas dizer que determinado homem é mais vezes bom que mau, mais vezes inteligente que estúpido, mais vezes enérgico que apático, ou o contrário; mas classificar um homem, como sempre fazemos, como bom ou inteligente e um outro como mau ou estúpido é um erro. Também os rios, todos de água, ora são estreitos, ora rápidos, ora largos, ora plácidos, claros ou frios, turvos ou tépidos. Ora os homens são como os rios. Cada um traz consigo a semente de todas as qualidades humanas, de que revela, em certos passos, umas características, noutros, outras, chegando mesmo, em certas ocasiões, a mostrar-se sob uma forma completamente oposta à sua natureza íntima que, não obstante, mantém".

Tolstói mostra-nos, assim, que não somos nem do tamanho dos nossos triunfos nem do tamanho dos nossos fracassos. Relembra-nos que a vida de cada um de nós é uma riqueza cujo valor é absoluto.

Uma vida humana pode, de facto, estar marcada pelo bem e pelo mal, pela alegria e pela tristeza… Pode ter uma trajetória tão instável como o curso de um rio. Mas a sua dignidade e a sua importância - essas sim! - são imutáveis. 



Maria Pessanha Moreira

 NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a hora!

 

Mensagem. Fernando Pessoa.


Um dos grandes poetas portugueses, Fernando Pessoa, presenteia-nos com este mítico poema “O Nevoeiro”, o último da sua obra, a Mensagem. O poeta fala-nos de um Portugal triste e perdido, que não vê rumo para a mudança: “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e ser/ Este fulgor baço da terra/ Que é Portugal a entristecer”. Esse Portugal que é possuidor de um brilho, de um fogo de um grande império pelo qual outrora era conhecido, que agora se vai desvanecendo com o nevoeiro. 

Mas “é hora!” diz o poeta! O império vai voltar a erguer-se, aquele brilho, aquela chama a apagar-se, vai novamente ser atiçada. O ser humano está embebido por esta sede, esta ânsia por grandeza, por ter uma vida para ser relembrada, por uma mudança para o melhor. Esta passividade, esta tristeza, esta inércia de que fala o poeta são aquilo que traz nevoeiro à vida. Nos testemunhos deste mês vimos que mesmo em situações de nevoeiro, estas pessoas fizeram resplandecer o brilho enorme das suas vidas e gritaram também “é a hora!”.



Francisco Carmo Pedro

  • 7ª Edição

    Grandiosidade e Grandeza

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  • 6ª Edição

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  • 4ª Edição

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  • 1ª Edição

    Os homens são como os rios

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