Beleza

Um olhar auspicioso

Já alguma vez se sentiram esmagados pela vossa própria consciência? Como se o reconhecimento de um pensamento fosse demasiado pesado para não quebrar o frágil equilíbrio da ilusão própria? Pois, foi assim que me senti quando estava a caminhar pelas amplas e decoradas galerias do National Gallery of Art, em Washington, D.C., e me deparei com Saint Jerome, por El Greco (Domenikos Theotokopoulos).

Cruzei-me com Tiziano Vecellio (um dos meus favoritos) e com Leonardo da Vinci (um dos favoritos do mundo), mas foi esta obra de El Greco que me tomou mais tempo. Não só isso, como não me abandonou nos dias e semanas que se seguiram, qual mosca com o seu incessante zumbido. Mas afinal, o que era esta comichão insaciável, este medo que estendia o seu véu sobre mim? Numa palavra: vulnerabilidade. Ali, estava um homem despido, magro, velho, os braços abertos e apoiado sobre o joelho, numa terra fria e erma - completamente vulnerável. E, no entanto, ele olhava para Deus, enquanto que eu apenas olhava para ele.

Um olhar firme, de queixo erguido e olhos bem abertos. Como explicar tamanho paradoxo, contraste maior que o de uma formiga e do Monte Everest? Despido, mas sem tremer; magro e mesmo assim forte; velho, no entanto, rejuvenescido; disforme e, apesar disso, profundamente belo. Vulnerável, mas nascente da Vida?

Poder ser ele, conservando a minha confortabilidade e indulgência… Mas não passa de uma nova ilusão, uma esperança ignorante. É hora de confronto, ou estará errado aquele que uma vez disse que quem foge dos seus medos pode descobrir que apenas enveredou por um atalho para ir ao seu encontro?

Tiago Rocha e Mello

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