Beleza
Wonder: cada pessoa merece ser admirada e tem uma missão a cumprir
Wonder é um bom filme familiar. Não será catalogado entre as obras-primas cinematográficas, mas é um filme que se vê com agrado e sugere vários tópicos para debater.
A história é simples: Auggie, o protagonista, nasceu com graves deformações. Sobretudo, o seu rosto impressiona. Os primeiros anos são passados em casa, em regime de home schooling. Por fim, chega o momento de ir para a escola. E ele é um rapaz diferente, muito diferente…
Claro que as considerações à volta do bullying serão as mais evidentes: como ajudar as crianças a saírem dum círculo em que parece quase obrigatório pôr de parte um colega. Fica patente que a solução não se alcança por decreto, apesar da prudência e talento do diretor da escola. Também não é de um dia para o outro que uma criança consegue sair do seu círculo mais íntimo para conviver naturalmente com quem os outros desprezam ou receiam. Neste caso, Auggie é simpático, esperto e «boa pessoa». Assim, vai conseguindo conquistar corações, elevando o nível moral de alguns dos colegas que, por um misto de admiração e compaixão por ele, acabam por ultrapassar as resistências para serem verdadeiramente seus amigos.
Assim sucede com Jack, apesar de que, pareça recuar nessa amizade, com um comentário dolorosamente traiçoeiro no dia do Halloween. O modo como Jack ultrapassa o compreensível afastamento de Auggie, através dum jogo de computador, é um grande momento do filme. Também Summer, uma jovem colega, é capaz de sair do seu círculo de amigas para ser uma genuína amiga de Auggie. A sua grandeza de ânimo vem ao de cima um dia no refeitório. Porquê? Fica a pergunta.
Muito sugestivo o lugar que a irmã de Auggie, Via, ocupa na família, secundarizada pelos pais pelo compreensível excesso de atenção dado ao filho deforme. A sua relação com os pais, sobretudo com a mãe – magnífica Julia Roberts – é muito interessante. Ainda que no início do filme nos pareça uma rapariga quase autossuficiente, rapidamente se apresenta como o que realmente é: uma adolescente, com incertezas e sofrimentos ocultos pela falta de atenção dos pais. O filme não poderia ser mais realista neste aspeto. Isabel, a mãe, apercebe-se do sofrimento da filha e rapidamente lhe propõe momentos de uma agradável cumplicidade.
Muito acertadas e sugestivas as mudanças de perspetiva no desenrolar da história, centrando as atenções ora num personagem ora noutro. Essas mudanças reclamam voltar um pouco atrás na vida de cada um, o que permite entender melhor as variadas reações que, nalguns casos, o espectador é levado a julgar como excessivamente negativas. Mas elas têm a sua justificação que nos remete para o ambiente familiar de cada personagem. Bem adverte o diretor da escola, perante um conflito violento entre dois miúdos, que é necessário ter todos os dados para acertar no juízo. Isso é válido também para o espectador: é preciso conhecer bem as histórias de vida antes de julgar as pessoas. As esguias e aparentemente altivas atitudes de Miranda, a melhor amiga de Via, acabam por ser o resultado da sua dolorosa situação familiar. Uma vez desfeito o imbróglio, em boa parte graças à influência de Auggie, ela reencontra na família da amiga o seu bálsamo.
Com o decorrer do filme, vamos vendo como a criança protagonista vai, quase sem querer, «apenas» sendo ele próprio, ajudando a que cada um daqueles com quem se cruza vá melhorando, mesmo muitos dos que ao princípio não se atreviam sequer a se aproximarem de Auggie.
O filme acaba por convidar a olhar para todas as pessoas com a certeza de que cada um, esteja são ou doente, tem um papel a desempenhar nesta vida. As palavras do pai (um simpático Owen Wilson) a Auggie, para justificar a razão pela que lhe escondeu o capacete de astronauta, resumem tudo: - eu preciso de ver a tua cara!
É uma cara deforme e aparentemente desagradável até que se olha para ela com os olhos do amor, com os olhos de um pai e uma mãe, de uma irmã, de um amigo ou amiga. Aliás, como já referi, o filme vai-nos convidando a olhar com «bons olhos» para todos os personagens, mesmo aqueles que inicialmente parecem (moralmente) feios…
Vejam o filme e falem sobre ele. Os personagens, com raras exceções, são amáveis apesar dos seus defeitos: também o espectador vai aprendendo a olhar para todos com um olhar mais benévolo.
Muito positivo o modo de estar dos professores e o ambiente que criam nas escolas. Seria bom tomar nota para as orientações educativas da escola …
Pe. João Paulo Pimentel
No outro dia, estive a ler uma entrevista em que Nacho Valdés, pintor de arte sacra, dizia que a Arte, a Beleza, a Justiça e a Verdade se impõem por si mesmas. Todo o homem, artista ou não, tem no seu coração um desejo de beleza que não se cala mesmo que o tentemos ignorar e, diante de um caminho de conversão, de descoberta da felicidade, existe sempre uma imagem que ilustra esse momento. Ao ler isto, lembrei-me imediatamente do quadro de Caravaggio da vocação de S. Mateus que havia visto pela primeira vez há uns anos. A beleza do traço, a expressão e as cores que o compõem dão uma vivacidade enorme a esta obra. No entanto, o meu olhar diante deste quadro mudou ainda mais quando um amigo meu me disse, espantado, que achava que este quadro retratava na perfeição o momento em que Jesus encontra S. Mateus no meio dos cobradores de impostos. Jesus aponta para S. Mateus, que se espanta, e aponta para si mesmo dizendo “Quem? Eu?”. Numa sala cheia de pessoas, ele é o único que se impressiona com este chamamento de Jesus, é o único que se reconhece chamado. Acho fascinante como um mero quadro, uma tela, consegue retratar e contar esta história de forma tão simples e intuitiva.
Uma das coisas que mais me impressiona na pintura e no ato de pintar é que, ao concretizar uma obra, somos obrigados a observar a realidade como ela é. Isto permite que os meus olhos vejam aquilo que me é dado de forma obediente. Dizer que a Beleza não existe ou escolher ignorá-la é ignorar a realidade. O coração do Homem é feito para viver espantado: diante de um pôr do sol, todos são intuitivamente capazes de o reconhecer como algo belo. Posso olhar para algo bonito, reconhecer que é bonito e ficar absolutamente indiferente diante disso. Olho, vejo e continuo caminho como se nada fosse. Se calhar até tiro uma fotografia para me lembrar, mas nada muda, nada se transforma. Porém, diante de uma paisagem bonita, posso olhar de tal maneira que o meu olhar se transforma em contemplação e em espanto. Quando isto acontece, apercebo-me daquilo que me foi dado e que me remete para a origem do meu coração, para Aquele que o criou e que o completa. Esta é a experiência de Beleza que transforma, que muda e que salva a vida.
«Tornai as vossas vidas lugares de Beleza», que significa isto na prática? Quando comecei a pintar, dei por mim a pôr constantemente esta questão. Percebi que a Beleza que tanto procuro e vejo nalgumas telas, também a quero na minha vida, na relação com os que me são dados e com a realidade tal como é. Não dá para separar as duas coisas. O que é que me interessa pintar coisas bonitas se depois trato mal alguém, se deixo tudo desarrumado e sujo, se me esqueço de fazer as coisas pequeninas que tenho para fazer ou se me irrito com alguém e respondo mal? Deixar que a Beleza me transforme passa por isto, por olhar para a minha vida com mais clareza, com mais amor. «A Beleza salvará o mundo» porque em última e primeira instância salva o meu coração, remete-me para o seu verdadeiro sentido.
Maria do Carmo Romeiras
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7ª Edição
Grandiosidade e Grandeza
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6ª Edição
A esperança é a última a morrer
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5ª Edição
Às nossas queridas mães
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4ª Edição
Wonder: cada pessoa merece ser admirada e tem uma missão a cumprir
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3ª Edição
Um olhar auspicioso
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2ª Edição
A Beleza que não morre
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1ª Edição
Os homens são como os rios