Beleza
Grandiosidade e Grandeza
“Quando visitei Viena compreendi pela primeira vez o que significa ser uma cidade imperial” – disse eu ao meu irmão. “Então, se queres mesmo compreender o que isso significa, tens de ir a São Petersburgo. Tudo é grande e grandioso. E os taxistas são os maiores ladrões que alguma vez encontrei. Mas, sobretudo, não deixes de visitar o Hermitage!” – respondeu ele.
Lembrei-me disto algum tempo mais tarde, quando tive um convite para ir a São Petersburgo. Tudo o que o meu irmão tinha dito era verdade. E, sim, os taxistas são ladrões do pior, todo o cuidado é pouco. Mas tudo é tão grande, as avenidas tão largas e compridas, as distâncias tão enormes, os transportes públicos tão incompreensíveis, que não há forma de evitar tomar um táxi.
Por isso, meti-me num e fui para o Hermitage. Esperei imenso tempo numa longa fila, até finalmente poder entrar. Tinha de fazer escolhas, por isso dirigi-me ao edifício onde estava exposto O Regresso do Filho Pródigo, de Rembrandt. Primeiro que lá chegasse!... Salas e salas de quadros – a partir de certa altura, para mim, já pareciam todos semelhantes. Comecei então a perguntar aos guardas do museu onde estava o Rembrandt que queria ver. “Ali, ao virar da esquina”, disse-me finalmente um deles, por gestos.
Virei a esquina e ali mesmo, diante de mim, a ocupar quase a parede toda, vi num baque de surpresa e emoção O Regresso do Filho Pródigo. Habituada a vê-lo em fotografias, não estava preparada para o tamanho do quadro. É enorme! – 2.62 metros por 2.05 metros, vim depois a saber. A luz concentra-se nas figuras do pai e do filho, mas principalmente no rosto do pai. O filho caiu de joelhos, mais do que ajoelhou – vê-se que lhe caiu uma soca de um pé – diante do pai e este aperta-o contra o seu corpo. De olhos baixos, não olha propriamente para o filho, e eu ouço-o dizer apenas: “Meu filho! Meu querido filho!”. No rosto emaciado e marcado pela idade e pela dor há só acolhimento e amor de pai.
Ao pintar este quadro, pouco antes de morrer, arruinado, marcado pela morte das mulheres e dos filhos, longe dos tempos em que celebrava nas suas pinturas as alegrias deste mundo, ter-se-ia Rembrandt revisto no filho ajoelhado que regressa, desiludido de tudo na vida, pobre, humilhado, à casa do pai?
Na penumbra, por trás, veem-se várias pessoas. Todas olham em silêncio, sem nenhum indício de simpatia. Só consigo ver-lhes alguma curiosidade, talvez – “olha como este foi e como agora veio!”. E vêm-me à memória os versos de Fernando Pessoa: “Coração oposto ao mundo, / Como a família é verdade!”
Fiquei ali, embargada de emoção, até anunciarem aos visitantes que o museu ia fechar. Sim, em São Petersburgo encontrei algo verdadeiramente grande. Não a grandiosidade das avenidas, dos palácios, das coleções de obras de arte que nos esmaga, das distâncias infindáveis que nos cansam, mas antes aquilo que só um verdadeiro artista, com o talento que lhe foi dado do alto, pode criar.
Cristina Câmara
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7ª Edição
Grandiosidade e Grandeza
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6ª Edição
A esperança é a última a morrer
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5ª Edição
Às nossas queridas mães
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4ª Edição
Wonder: cada pessoa merece ser admirada e tem uma missão a cumprir
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3ª Edição
Um olhar auspicioso
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2ª Edição
A Beleza que não morre
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1ª Edição
Os homens são como os rios